Amaury Lorenzo fala sobre interpretar Jesus em Congonhas

 


A tradicional encenação da Paixão de Cristo em Congonhas, um dos eventos mais emblemáticos da Semana Santa mineira, ganhou novos contornos de emoção e significado durante a coletiva de imprensa realizada nesta quarta-feira, 16 de abril, no Museu de Congonhas. O ator global Amaury Lorenzo, que interpreta Jesus Cristo pelo terceiro ano, compartilhou experiências pessoais, memórias afetivas e reflexões sobre fé, arte e política. Também participaram da coletiva os diretores Zezeca e Patrícia Vidal.

As encenações, que acontecem em frente à Basílica do Senhor Bom Jesus de Matosinhos — Patrimônio Mundial da Humanidade —, são conhecidas por sua força simbólica e pela conexão direta com a religiosidade popular. Amaury, que nasceu em Congonhas e carrega consigo a vivência intensa da cultura local, afirmou que não precisou buscar referências externas para compor o personagem. “Meu laboratório foram os 15 anos que vivi aqui em Congonhas. Nasci no Hospital Bom Jesus, participei das procissões, já fui São José, já carreguei o menino Jesus de plástico. O laboratório foi viver nessa cidade e respirar essa religiosidade tão potente, que sempre atrai romeiros de todo o Brasil.”

Ele relembrou a infância, os avós que trabalhavam no minério e a relação direta com o Santuário. “O meu laboratório foi olhar para dentro de mim, da minha terra, das nossas montanhas. A memória afetiva de viver tudo isso desde criança.”



“Cristo é um arrebatamento”

Durante a entrevista, o artista falou sobre o impacto emocional de interpretar Jesus. “É um papel que atravessa qualquer técnica”, disse. “Tem direção, iluminação, figurino… Mas quando levantam a cruz e vejo aquele mar de gente olhando, rezando, chorando… não dá pra manter só o profissionalismo. A emoção toma conta.”

“É uma responsabilidade imensa, mas também um presente. A morte e a ressurreição são momentos muito poderosos. Eu sou um ator que vem do drama, da tragédia, então eu verticalizo muito a cena, mergulho fundo na emoção. E o Cristo me dá essa possibilidade, essa abertura técnica e espiritual de tocar as pessoas.”

Em um dos relatos mais marcantes, ele lembrou da vez em que soltou uma pomba durante a cena da ressurreição. “Ela voou na direção do sol… e voltou. Deu uma volta e pousou na cabeça de um dos profetas. Foi mágico. Tem até uma foto disso. Foi um dos momentos mais arrebatadores da minha vida. É isso que o Zeca fala: esse lugar tem uma força que é maior do que a gente.”

Amaury também revelou que em breve interpretará o Aleijadinho em um monólogo teatral. “O Aleijadinho era movido pela paixão. Paixão pelos passos, pelos profetas, por Cristo. E eu sou isso também: um homem apaixonado. Pela vida, pela minha cidade, pelo meu povo. O Cristo… é um arrebatamento.”

O ator compartilhou ainda o momento em que descobriu a vocação para o palco. “Eu tinha uns 10 anos, tava na quinta série, comendo pão com carne moída e guaranazinho no recreio… quando entra o Zezeca, de perna de pau, aquela galera maluca do teatro invadindo o pátio do Lamartine. Aquilo me arrebatou.”

Depois daquela apresentação, os artistas passaram de sala em sala distribuindo papéis para aulas de teatro no grupo Dez Pras Oito. “Cheguei em casa e falei pro meu pai: ‘Quero fazer esse negócio aqui, teatro’. E ele, caminhoneiro com quarta série, me levou. Sempre foi meu parceiro. Hoje, aquele lugar virou um estacionamento. Mas foi ali que tudo começou.”

“Se não fosse o Zezeca, eu não seria o ator que sou hoje. Não existiria Ramiro, nem Chico, nem Hélder. Nada disso. Veio desse clique no coração. Por isso eu digo: investir em educação e cultura transforma vidas.”

A fala de Amaury também trouxe um tom político e profundo. Para ele, interpretar Jesus é reconhecer o Cristo presente em tantas outras histórias de sacrifício e luta por justiça.

“Por representatividade, tem gente que está sempre pregada na cruz. A cruz simbólica da perseguição, da injustiça, do preconceito. Nós, artistas, somos agentes políticos. Ser político é fazer escolhas. E viver de forma íntegra já é uma escolha.”

Ele relatou experiências em comunidades indígenas no sub-bosque amazônico, onde ouviu de líderes locais histórias de violência brutal contra parentes que lutavam por direitos. “Teve um caso em que o tio do líder foi amarrado entre duas árvores e partido ao meio, vivo, por fazendeiros. Aquele homem era um Cristo. Um mártir.”

O ator completou: “Tem um Cristo na mulher que luta por igualdade. Tem um Cristo na comunidade preta, que é dizimada todos os dias. Tem um Cristo na comunidade LGBTQIA+ que resiste, mesmo sendo alvo de ódio. A Paixão de Cristo não é só do passado. Ela acontece todos os dias, nos corpos de quem ousa viver com dignidade.”

Programação da Semana Santa

O congonhense interpreta Jesus pela terceira vez em Congonhas. Ele estará no palco nesta sexta-feira, 18 de abril, na encenação da Paixão e Morte de Cristo, e no domingo de Páscoa, dia 20 de abril, na tradicional encenação da Ressurreição. Ambas acontecem em frente à Basílica.

A Semana Santa de Congonhas é reconhecida por unir fé, cultura e identidade histórica. A cidade caminha para se consolidar como capital mineira da fé, em um projeto que une artistas, poder público e comunidade. Como afirmou o ator: A fé já está aqui. Os artistas estão aqui. O povo está aqui. Só falta a gente juntar forças.”



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