Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas: Adeus à David Lynch

Texto por Alexandre Lobo

David Lynch foi um pescador. De acordo com ele mesmo, suas ideias criativas provinham de um processo que chamava de “pescar”. Elas, portanto, seriam como peixes e, como a atividade de pesca envolve paciência—pois os melhores peixes se encontram sempre nas águas mais fundas e requerem muito mais trabalho—as melhores ideias também precisam ser maturadas e meditadas até se transformarem em um quadro a óleo ou uma longa-metragem. É por meio desse exemplo que podemos compreender a mente única através do qual o diretor americano, falecido ontem, enxergava o mundo: uma paixão que justapunha uma reverência sábia com um fascínio infantil, algo que, muito provavelmente, o próprio diretor não veria como uma contradição.

Sua característica visão artística, denominada lynchiana, pode ser compreendida mais facilmente em filmes como Veludo Azul ou Cidade dos Sonhos, que compartilham o tema de subversão de um mundo ideal—o subúrbio americano dos anos 50 no qual Lynch cresceu e o sistema hollywoodiano, respectivamente—em um ambiente aterrorizante mas também charmosamente surrealista, remetendo sempre a uma atmosfera febril. No âmbito mais explicitamente bizarro e grotesco, destaca-se Eraserhead, sua primeira longa-metragem, inspirada nas cenas violentas e desconcertantes que Lynch presenciava durante sua juventude em Filadélfia, somadas a suas próprias experiências como pai jovem e relutante. Preludiando seu sucesso futuro, a obra alcançou o favoritismo de Stanley Kubrick, que o considerava seu filme predileto.

Mas não é toda a filmografia de David Lynch que se manifesta na paisagem surrealista. Ele também dirigiu obras mais convencionais como O Homem Elefante, uma cinebiografia de época sobre Joseph Merrick, um inglês cujo corpo foi tão deformado por uma doença congênita ao ponto de ter recebido o apelido homônimo. Já uma mancha particularmente curiosa em sua carreira foi a primeira e maldita adaptação de Duna, seu pior fracasso, o qual ele atribui à falta de liberdade como diretor e que certamente cimentou sua opinião altamente crítica do sistema restrito e limitante criativamente promovido pelos estúdios de Hollywood. No entanto, essa aversão ao mundo do cinema levou Lynch a explorar a televisão, que até então era majoritariamente composta por séries novelescas de antologia (nas quais cada episódio apresentava uma história fechada, impossibilitando uma longa narrativa desenvolvida aos poucos). Foi nesse contexto que o diretor inovou a arte da série de TV ao lançar na alvorada dos anos noventa a altamente aclamada Twin Peaks. A série, que provavelmente se estima como a obra mais querida entre seus fãs, mistura seu surrealismo típico com uma leveza humorística ao contar a história da investigação por agentes da FBI da morte da jovem Laura Palmer na cidadezinha que dá à série seu nome.

Apesar dos sucessos mencionados aqui, que certamente colocam Lynch no panteão dos grandes diretores das últimas décadas, não esqueçamos que David também foi uma pessoa com um enorme coração, querida por inumeráveis colaboradores e admirada por inúmeras pessoas por sua paixão pelo cinema, pela arte e pela vida. O diretor, pintor, músico, fotógrafo e ator será lembrado, talvez acima de tudo, como sonhador, cujas realizações continuam—e continuarão—a inspirar jovens artistas pelo mundo inteiro.
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