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Obra de Maxwell Alexandre |
Por: Ana Luisa Lobo
O Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, é uma data de extrema relevância para a reflexão sobre a história e a luta do povo negro no Brasil. No entanto, vale questionar se a forma como essa data é tratada contribui de fato para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária ou se, paradoxalmente, reforça a separação que pretendemos combater.
A consciência negra refere-se ao processo de tomada de consciência das raízes afrodescendentes e da violência histórica que os negros enfrentaram e ainda enfrentam. É uma jornada de resgate cultural e autorreconhecimento, fundamental para a construção da identidade individual e coletiva dos afrodescendentes. No entanto, quando essa consciência é restrita a um dia no calendário, corre-se o risco de reduzir a complexidade da questão racial a uma mera celebração simbólica, sem impactos reais no enfrentamento do racismo estrutural.
O racismo no Brasil, como definido pelo filósofo Silvio Almeida, é estrutural: ele permeia as relações econômicas, políticas e sociais, tornando-se parte integrante do funcionamento da sociedade. Isso significa que atitudes racistas e desigualdades são frequentemente naturalizadas, mesmo por aqueles que não se percebem como racistas. Portanto, é insuficiente combater o racismo com ações pontuais ou com o uso de datas específicas como catalisadoras de reflexão.
A luta contra o racismo precisa ser cotidiana e ir além de homenagens ou campanhas pontuais. Devemos tratar as contribuições dos negros para a sociedade como um todo — seja na cultura, ciência, esporte ou política — com a naturalidade e a valorização que merecem, e não como algo excepcional ou pertencente a um “outro” grupo. Todos somos brasileiros, misturados e unidos por uma história compartilhada, e o negro não deve ser visto como alguém “diferente” ou digno de pena, mas como um igual em direitos e capacidades.
As conquistas históricas da população negra, como a luta por liberdade, igualdade e reconhecimento, merecem ser lembradas e celebradas diariamente. A criação de legislações como as cotas raciais, a obrigatoriedade do ensino da história afro-brasileira e a criminalização do preconceito racial são passos importantes, mas não são suficientes. É preciso que a sociedade como um todo — e não apenas os negros — assuma o compromisso de desconstruir privilégios e preconceitos.
Ao longo dos anos, o Dia da Consciência Negra foi transformado em um símbolo da resistência e da memória, mas sua real importância está em abrir caminho para uma reflexão contínua e coletiva. Não devemos apenas lembrar Zumbi dos Palmares ou os heróis negros em uma data específica; devemos trabalhar para que a igualdade racial seja uma realidade vivida diariamente.
Enquanto tratarmos o negro como alguém “à parte” ou precisando de dias específicos para visibilidade, estaremos reforçando as barreiras que deveríamos derrubar. A verdadeira celebração da consciência negra não está em eventos ou feriados, mas no esforço cotidiano para construir uma sociedade em que todos, independentemente da cor de sua pele, sejam tratados como iguais.